O problema da favelização no Brasil é de desigualdade econômico ou social? Ou será os dois? Durante anos vivenciei momentos onde pude observar que as duas situações ocorrem na favela ou em comunidades de baixa renda.
Muitas foram as experiências que me colocaram frente a frente com situações como aquela em que apoiei um operário na sua mudança de residência e que posso considerar de desigualdade econômica.
No início da minha carreira, eu trabalhava com o Arquiteto Luiz A. Bukowitz Jr., meu amigo. Ele era proprietário de uma Rural Willys, um utilitário que não existe mais, mas que pode ser encontrado em museus de automóveis ou com colecionadores. O veículo se assemelha a um Jipe da Toyota ou a um Bandeirantes.
Certo dia, Luiz me pediu que colaborasse na mudança de um operário muito querido por nós e, por isso, lá fui eu acreditando fazer várias viagens com a Rural Willys.
Ao chegar na “casa” do Chiquinho, que me aguardava à porta com sua mulher e seus dois filhos, percebi que se tratava de um barraco de madeira de um único cômodo e que a mobília era constituída por uma pequena mesa com marca de queimadura por ferro de passar roupa. Além disso, havia um pequeno fogão, uma cama de solteiro com colchão e um minúsculo móvel que servia de guarda-louça.
Fizemos apenas uma viagem para toda a mudança com a família e os móveis.
No final dos anos 1970, havia, no entorno da catedral de Petrópolis, em determinada época do ano, uma feira com o objetivo de arrecadar fundos para obras sociais. Uma das barracas, a barraca da Itália, era mantida por um grupo de empresários locais, entre eles o Sr. Valdir Moreira Reis, o Sr. José Viveiros de Faria, na ocasião vereador de Petrópolis, o Sr. Fernando Badia, o Sr. Mussoline de O. Campos, o Sr. José Amaral da Silveira, o Sr. Tomás e outros que, no momento, lamentavelmente não recordo os nomes.
O Sr. Tomás era morador do Retiro e ministro da Igreja católica e, juntamente com sua esposa, trouxe um desafio ao grupo: criar uma associação de moradores no Morro do Alemão. Este, na ocasião, era ocupado por duzentas famílias de posseiros.
Sendo assim, a sede da associação seria criada em um terreno que o grupo, com seus recursos próprios, haveria de adquirir de um dos posseiros.
Em um dia de domingo, o grupo se reuniu com membros da comunidade no tal terreno e ali foi apresentada a ideia de uma associação. A iniciativa foi apoiada por uma apresentação de slides desenvolvida por Fernando Badia a fim de demonstrar o poder e a força de uma comunidade organizada, seus objetivos, seus propósitos e como conquistá-los.
Com muita dificuldade em conseguir representantes comunitários, foi criada a Associação de Moradores do Morro do Alemão. Em seguida, após apresentar a proposta para a construção de uma sede onde também daria uso a uma escola primária para crianças e de cursos profissionalizantes para adultos, foi proposto que a construção seria feita em sistema de mutirão pelos moradores, enquanto que a barraca da Itália compraria os materiais necessários à construção.
Ninguém se apresentou como voluntário.
O grupo, então, contratou a mão de obra e adquiriu os materiais necessários, sendo a maioria deles doada por vários fornecedores de materiais de construção locais.
Construída a sede, convidaram o Prefeito para a inauguração, que cumpriu mais tarde com a promessa de calçar a rua que atravessava a comunidade. Além disso, foram distribuídos títulos de propriedade a todos os posseiros após a desapropriação pela prefeitura daquelas terras que constituíam a comunidade.
Posteriormente, a Prefeitura contratou duas professoras da comunidade para ministrar aulas na sede e na escola da associação.
O que me chamou atenção durante todo esse evento foi que todas as famílias de posseiros, quando se instalaram, ocuparam áreas onde construíram suas casas. Elas também cercaram seus terrenos com espaço suficiente para outras atividades como, por exemplo, a plantação de hortas ou a criação de galinhas, ou ainda as duas coisas.
No entanto, em nenhuma das posses que posteriormente se tornaram propriedades havia sequer um pé de tomate, enquanto no morro contíguo, arrendado por um jovem de nacionalidade portuguesa, era possível vê-lo diariamente passando pelas portas de todas as casas daquela comunidade com sua PickUp.
Ele subia vazio e descia carregado de hortaliças para vender aos feirantes de Petrópolis. O exemplo em que todos podiam se espelhar estava ali, vizinho da comunidade. O que tínhamos ali, então? Um problema social, com certeza.